Cindy Sherman: A fábrica de mulheres
Cindy Sherman tornou-se famosa pelas imagens que faz de si mesma. Embora seja a protagonista de todas elas, essas fotografias não cabem na definição autorretrato: mostram, ao invés de sua verdadeira face, personagens construídos e incorporados por ela que suscitam uma série de reflexões. Ao longo de sua carreira, explorou de forma eloquente e provocadora a construção da identidade contemporânea na arte através de representações elaboradas a partir de uma ilimitada oferta de imagens (em revistas, programas de televisão, filmes, internet e imagens clássicas). Este ano, ao receber uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), Sherman foi definitivamente festejada como uma das mais influentes e relevantes artistas da cena atual. Na previsão da curadora, Eva Respini, em um futuro breve será comparada a nomes como Andy Warhol e Pedro Almodóvar.
Com imagens ambíguas e ecléticas, Sherman desenvolveu um estilo único. Não é responsável apenas pela fotografia, mas pelo conceito e pela construção de todas essas imagens, da produção ao figurino, da maquiagem às locações, da idealização à performance. Por esse aspecto de sua obra, o professor do Centro de Fotografia da ESPM-Sul Raul Krebs a utilizou como referência em uma aula de Projeto. Ao elaborarem seus trabalhos de conclusão, os estudantes podem muitas vezes se deparar com a dificuldade de, além de toda a responsabilidade dos cliques, terem de assumir múltiplas funções. Além disso, defende Raul, Sherman pode servir de inspiração pelo fato de que transformou o olhar fotográfico. “Ela fotografou a vida cotidiana e fez autorretratos sob lentes ‘femininamente distorcidas’, produzindo imagens por vezes grotescas e delicadas ao mesmo tempo”, desvenda.
Ao escolher sua própria figura como foco de suas imagens, Sherman utiliza-se como meio para enviar uma mensagem, tecendo comentários sobre uma série de questões do mundo moderno, como a visão estereotipada do sexo feminino e o papel do artista. Nascida em 1957 em Nova Jersey, estudou artes na State University College at Buffalo. Desiludida com as limitações da pintura, migrou para a fotografia no final do curso. Foi após a graduação que mudou-se para Nova Iorque, no final dos anos 1970, e começou a tirar fotos de si mesma em um loft alugado, dando vazão à veia camaleônica que a tornaria conhecida. A inspiração para as personagens foram atrizes de filmes B, arquétipos da mulher, dona de casa, prostituta, professora, dançarina. Intituladas Untitled Film Stills, foram consideradas grotescas e perturbadoras por muita gente. Mostravam, com um misto de imaginação e ficção, aquela que se tornaria uma de suas prerrogativas: a arte na fotografia não precisa ser esteticamente agradável.
Para muitos, também, trata-se de um trabalho que critica a sociedade contemporânea por obrigar seus membros a escolherem personas e estereótipos a serem vividos diariamente ao invés de estimulá-los na busca por sua verdadeira identidade. Com um arsenal de perucas, roupas, próteses e adereços, Sherman altera seu físico de forma hábil, criando uma infinidade de quadros vivos e personagens intrigantes, por vezes com doses de humor. Para Raul, vale a pena conferir seu trabalho por se tratar de algo altamente relevante pra fotografia no mundo: “Ela influenciou e influencia muito a fotografia de hoje. Mantém-se atual e pode inspirar tanto sonhos quanto fotografias. Talvez as duas coisas juntas”.
19/10/2012
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