A trajetória autoral de Clóvis Dariano
O fotógrafo e artista Clóvis Dariano, professor do Curso Avançado de Fotografia, em seus mais de quarenta anos de carreira, sempre manteve ativo o trabalho autoral. E antes de se destacar em cliques de culinária e de joias — segmentos onde atuou fortemente dentro da fotografia publicitária — foi o estudo de Artes Plásticas que o levou às câmeras fotográficas.
Mesclando história e imagem, o professor abriu suas gavetas e mostrou informações de quatro décadas atrás que, nas palavras dele, permanecem atuais. Nos anos 1970, quando a arte contemporânea ainda engatinhava no Brasil, Dariano foi um dos membros fundadores do coletivo vanguardista Nervo Óptico. O movimento, que abriu espaço para a discussão de novas linguagens visuais no país quando vigorava a mentalidade da ditadura militar.
Como alguns destaques da trajetória de Dariano estão os estudos de pintura com Paulo Porcella de 1965 a 1967, o diploma como técnico em propaganda em 1969 e a passagem pelo Instituto de Artes da UFRGS de 1970 a 1974. Em 1972, pesquisou arte conceitual com Julio Plaza e, no ano seguinte, estudou gravura em metal com Iberê Camargo. Dariano define sua entrada na fotografia não como uma opção, mas como uma conspiração: foi a maneira como os elementos se organizaram. “Ainda hoje, eu não sou ortodoxo. A coisa toda funcionou constantemente dentro da fotografia, mas às vezes mais inclinada para outros lados, que costumam se transformar em assuntos para ela. Na época, eu nem procurava nada, estava apenas aberto para aquilo que estava acontecendo”, conta.
O momento decisivo foi o encontro com Mário Bitt Monteiro, que o apresentou à técnica fotográfica escondido em um estúdio de fotos 3/4. Na época, Dariano já praticava uma forma de desenho que envolvia imagens: selecionava fotos em revistas, que recortava para usar como máscaras e depois pintava com uma bomba de pulverizador de inseticidas. No início, passou apenas a usar a cópia fotográfica ao invés das revistas, mas logo a fotografia passou a ocupar o lugar principal, ainda que, até hoje, ela conviva com outras linguagens.
Na época, a fotografia ainda se desenvolvia como linguagem dentro das artes visuais e, no Brasil, era totalmente limitada ao convencional. Dariano dividia sua inquietação quanto as artes com um grupo que também cursava ou frequentava o Instituto de Artes, todos jovens e sedentos por novidades. Neste momento, o artista Julio Plaza levou à UFRGS uma novidade redentora: a arte conceitual, algo que já se aproximava do que aquele grupo de artistas estava fazendo de forma empírica. “Foi a luva para a nossa mão. Aquilo simplesmente emplacou direto”, relembra.
Entre as preocupações em comum, a questão do mercado de arte era um dos tópicos mais debatidos. Dariano recorda que por tudo ser orientado e conduzido por galeristas, a arte conceitual ficava completamente fora de circuito. O desinteresse pelas novas linguagens e suas possibilidades motivou a criação de um manifesto expondo um posicionamento que gerou cisões internas dentro do grupo: “Muitos dos que estavam conosco saíram, não assinaram, justamente com medo de prejudicar a carreira. Ficaram apenas os sete que permaneceram até o final”.
A partir daí muitos trabalhos foram desenvolvidos coletivamente, embora cada um mantivesse seus projetos individuais. Mais adiante, foi criado o Nervo Óptico, um panfleto impresso para divulgar esse tipo de trabalho que não tinha aceitação mercadológica ou não era permitido pelas galerias. “Era em uma folha só, de papel ofício. A linguagem era fotográfica e, embora eu fosse o único fotógrafo, todos a utilizavam para divulgar seus trabalhos. Como a Maria Tomazelli, que divulgou alguns de seus desenhos”. Tratava-se de um informativo que entrava no eixo da Mail Art com sua lógica de enviar e receber coisas.
Foi o crítico Frederico de Morais quem chamou o grupo de “Nervo Óptico” pela primeira vez, em matéria publicada no jornal O Globo. Na época, o impacto do coletivo já não era apenas local, havia chegado ao centro do país, onde os integrantes também realizavam exposições com ênfase na exploração da linguagem fotográfica e de meios e materiais alternativos. O panfleto durou 13 edições, embora seus membros continuassem desenvolvendo trabalhos individualmente.
Dariano define sua experiência com o coletivo como fundamental para a estruturação de seu pensamento individual. Para ele, quem aprende a trabalhar coletivamente tem uma extensão muito maior: “Embora as coisas se desenvolvam particularmente, as trocas são muito ricas. Se descobre coisas através do olhar do outro. Claro que isso só acontece com as pessoas certas, que tem aquela ligação que acontece eventualmente”.
A identidade do trabalho de Dariano foi construída ao longo de uma trajetória tão extensa quanto variada e é possível interpretar que, para quem usa a fotografia como forma de expressão artística, o trabalho publicitário poderia ser frustrante — e daí surge uma possível necessidade de prosseguir em projetos pessoais. Dariano conta que a foto publicitária é limitadora porque nela se trabalha sob o controle da agência e do cliente. Poucos deles percebem a diferença entre um trabalho feito com preocupação autoral — “conteúdo e estilo próprios”, nas palavras dele — e a utilização de “meros maneirismos técnicos”: estão sempre diminuindo a capacidade do público de absorver uma ideia mais conceitual. “A parte mais importante da fotografia comercial, além do sustento, obviamente, é o desenvolvimento técnico. Essa cobrança por aperfeiçoamento e rigor acaba sendo muito positiva no trabalho como um todo”, opina.
Independente disso, ele procura apresentar um trabalho comercial impregnado de características de seu trabalho autoral, em especial àqueles referentes à iluminação. Mas é dentro dos projetos próprios que ele exerce sua completa liberdade. Quando questionado sobre a origem de suas ideias, cheias de uma atmosfera surrealista, Dariano afirma que tudo lhe inspira, muito pela questão da observação, que para ele é tão fácil que se acumula: “Como fotógrafo a gente já têm essa coisa do olhar constante, é um trabalho constante. Estou sempre olhando, olhando, olhando e essa inspiração começa a se acumular de uma maneira que fica até incômodo. Algo tem que sair lá de dentro”.
22/01/2020
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